Universidade Federal do Sul da Bahia

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domingo, 8 de maio de 2016

Fichamento

Raça e História - Claude Lévi Strauss


Raça e História é um texto antropológico perene, até hoje usado em debates em prol da luta contra o preconceito racial.

1-Raça e Cultura – O antropólogo, etnólogo e filósofo belga Lévi Strauss diz que nada no estado atual da ciência permite afirmar a superioridade ou inferioridade intelectual de uma raça em relação a outra. A humanidade se desenvolve de formas muito diversificadas em sociedade e civilizações onde a diversidade intelectual, estética e sociológica não está conecta por nenhuma relação de causa e efeito no plano biológico, onde não é correto relacionar aptidões distintas a constituições anatômicas ou fisiológicas de negros, amarelos ou brancos. Ele observa aspectos importantes como a existência de muito mais culturas que raças humanas.

2-Diversidade das Culturas - O conceito de diversidade cultural, leva em conta as diferenças entre as culturas contemporâneas, que coexistem num determinado período de tempo. Entre as culturas que ocupam momentos históricos diversos salienta que no caso dessas últimas não temos acesso ao seu conhecimento pela experiência direta, o que acaba prejudicando a observação de toda sua riqueza e complexidade. Strauss chama a atenção para a existência de povos que não adotaram a escrita, fato que inviabiliza o conhecimento preciso de suas formas anteriores. Inviabilizando assim a elaboração de um inventário completo das culturas no espaço e no tempo. Jamais seremos capazes de conhecer toda a riqueza cultural que esteve (e está) presente no planeta.
Feitas essas considerações, o autor questiona no que consistem culturas diferentes. Tal questionamento conduz à constatação de que sociedades que “derivam de uma mesma raiz” não apresentam tantas diferenças quanto sociedades que apresentam origens completamente diferentes, embora se constituam em sociedades distintas. É constatado que em alguns casos vê-se um processo de aproximação entre duas culturas, mesmo quando essas apresentam “origens distintas”. Por trás dessas constatações revela-se uma tensão observada dentro das sociedades humanas, entre uma força que trabalha no sentido de manter as tradições culturais, e outra força que atua no sentido de promover a aproximação com outras culturas. Tal revelação leva à conclusão de que a diversidade cultural não se apresenta de maneira estática e é antes produto de contato entre culturas do que do isolamento.

3-O Etnocentrismo - Strauss descreve que no etnocentrismo, há uma postura de rejeição e de menosprezo perante formas culturais diferentes, é um traço cultural estranho comum entre a maioria das culturas. O autor fornece uma série de exemplos de posturas etnocêntricas adotadas por diferentes sociedades como na antiguidade onde os povos que não compartilhavam da cultura greco-romana eram considerados “bárbaros”, da mesma forma a civilização ocidental costuma se referir aos povos que não adotam seus valores como “selvagens”. Nesse contexto, a cultura ocidental, marcada pelo advento das revoluções industrial e científica, tomando como base especulações filosóficas, estabelece um sistema “evolutivo” que procura abarcar toda a diversidade cultural do planeta, como se fosse uma manifestação de diferentes “estágios de desenvolvimento”: toda a humanidade estaria destinada a atingir, em seu ápice, o mesmo “nível” do Ocidente. Este é o conceito de evolucionismo social, criticado por Strauss.
Dada a diversidade cultural no tempo e no espaço, e os vários aspectos que apresentam cada civilização, Lévi-Strauss pondera que a tentativa de estabelecer analogias entre diferentes culturas a partir de um de seus aspectos pode nos levar a conclusões equivocadas. Para tanto, menciona como exemplo o paralelo que muitas vezes é estabelecido entre sociedades paleolíticas e sociedades indígenas contemporâneas, que por apresentarem como traço comum a utilização de instrumentos de pedra talhada, conduzem a afirmações errôneas de que ambas se constituem em culturas semelhantes, quando na verdade não existem subsídios concretos, principalmente em relação às sociedades paleolíticas, cujo comportamento não pode ser precisamente reproduzido, para se estabelecer tal relação. A partir dessas constatações, critica a concepção de que existem “povos sem história”, em que nada teria acontecido ao longo dos milênios que essas sociedades ocupam o planeta.
4-Culturas arcaicas e culturas primitivas – O autor sugere que toda sociedade segundo seu próprio ponto de vista pode dividir a cultura como sendo as que são suas contemporâneas que também se encontram num outro lado do globo, as que foram manifestadas próxima do mesmo local mas que a precederam no tempo e as que existiram num tempo anterior ao seu e num lugar diferente ao que está situada. Vimos que estes três grupos podem ser conhecidos de forma desigual. No último caso e quando se trata de culturas sem escrita, sem ter deixado algum tipo de construção, e com técnicas rudimentares, não temos conhecimento sobre elas e tudo o que tentamos saber a seu respeito não passam de hipóteses. Por outro lado, tenta-se estabelecer, entre as diversas culturas do primeiro grupo, relações que correspondem a uma ordem de sucessão no tempo. O autor questiona de forma de forma relevante: Como é que sociedades contemporâneas, que continuam a ignorar a eletricidade e a máquina a vapor, não evocariam a fase correspondente do desenvolvimento da civilização ocidental? Como não comparar as tribos indígenas, sem escrita e sem metalurgia, gravando figuras nas paredes das rochas e fabricando utensílios de pedra, com as formas antigas das nossas civilizações, cuja semelhança é atestada pelos vestígios encontrados nas grutas da França e Espanha?
Strauss nos dá a entender que foi justamente aí que o falso evolucionismo ganhou espaço. E ainda diz que nos deixamos seduzir sempre que há oportunidade. (não se compraz o viajante ocidental em encontrar a “idade média” no Oriente, o “século de Luís 14” na Pequim de antes da Primeira Guerra Mundial, a “idade da pedra” entre os indígenas da Austrália ou da Nova Guiné?) é extraordinariamente pernicioso.

Das civilizações desaparecidas, conhecemos apenas alguns aspectos e estes diminuem à medida que são mais antigas, pois os aspectos conhecidos são os únicos que puderam sobreviver à destruição do tempo. O processo consiste, pois em tomar a parte pelo todo, em concluir que, a partir do fato de que duas civilizações (uma atual, a outra desaparecida) ofereçam semelhanças em alguns aspectos, pode-se estender a analogia à todos os aspectos. Ora, esta maneira de raciocinar não só é logicamente insustentável, mas ainda, num bom número de casos, é desmentida pelos fatos. Até uma época relativamente recente, os tasmanianos e os patagônios possuíam ferramentas de pedra lascada, e certas tribos australianas e americanas ainda os fabricam. Mas o estudo destes instrumentos ajuda-nos muito pouco a compreender o seu uso no período paleolítico. Como eram, então, usados os famosos machados de pedra oval, cuja utilização devia, no entanto, ser de tal forma precisa, que a sua forma e técnica de fabricação permaneceram padronizadas de maneira rígida durante cem ou duzentos mil anos, e num território que se estendia da Inglaterra à África do Sul, da França à China?

Para que serviam as extraordinárias peças feitas com a técnica Levallois, pedras lascadas de formato triangular que encontramos às centenas nos jazigos e que nenhuma hipótese consegue explicar completamente? O que eram os pretensos “bastões de comando” em osso de rena?  Qual poderia ser a tecnologia da cultura tardenoisense que deixou para trás um número inacreditável de minúsculos pedaços de pedra polida, com formas geométricas infinitamente diversificadas, mas muito poucos utensílios na escala da mão humana?

Todas estas incertezas mostram que entre as sociedades paleolíticas e determinadas sociedades indígenas contemporâneas existe uma semelhança – serviram-se de utensílios de pedra polida. Mas mesmo no plano da tecnologia, torna-se difícil ir mais longe; o emprego dos materiais, os tipos de instrumentos, e, por tanto o propósito com que eram usados, eram diferentes, e mesmo neste aspecto limitado um grupo nos ensina muito pouco em relação ao outro.

Como poderíamos então aprender qualquer coisa sobre linguagem, instituições sociais ou crenças religiosas? Uma das interpretações mais populares inspiradas pelo evolucionismo cultural trata as pinturas rupestres legadas pelas sociedades do paleolítico médio como figurações mágicas ligadas a rituais de caça.

O raciocínio é o seguinte: as populações primitivas atuais têm rituais de caça, que a maior parte das vezes, nos aparecem desprovidos de valor utilitário; as pinturas rupestres pré-históricas, tanto pelo seu número como pela sua localização, bem no fundo das cavernas, não aparentam ter qualquer valor utilitário; os seus autores eram caçadores, logo podemos concluir que eram usadas em rituais de caça. Basta enunciar esta argumentação para se perceber sua inconsequência.

Além disso, é sobretudo entre os não-especialistas que ela ganha força, porque os etnógrafos estão de acordo em afirmar que nada, nos fatos observados, permite formular qualquer hipótese sobre a natureza destas pinturas. E, já que falamos das pinturas rupestres, sublinharemos que, à exceção das sul-africanas (consideradas por alguns como obras recentes), as artes “primitivas” estão tão afastadas da arte do Paleolítico como da arte europeia contemporânea. Porque esta se caracteriza por um elevado grau de estilização, indo até às deformações mais extremas, enquanto a arte pré-histórica oferece um realismo surpreendente.

Poderíamos cair na tentação de ver nesta última a origem da arte europeia, mas isso seria inexato, uma vez que, no mesmo território, a arte paleolítica foi seguida por outras formas que não apresentam as mesmas características; a continuidade do lugar geográfico não muda o fato de que sobre o mesmo solo se sucederam diferentes populações, alheias à obra dos seus antecessores, e trazendo cada uma consigo crenças, técnicas e estilos diferentes.

O ponto que as civilizações da América pré-colombiana atingiram na véspera da descoberta evocam o período neolítico europeu. Mas também esta comparação não resiste a um exame mais atento; na Europa, a agricultura e a domesticação de animais caminham de mãos dadas, enquanto na América, um desenvolvimento excepcional da agricultura é acompanhado pela quase completa ignorância (ou, de qualquer modo, por uma extrema limitação) da criação de animais domésticos.

Na América, o uso de utensílios de pedra convive com uma economia agrícola que na Europa está associada ao início da metalurgia. É inútil multiplicar os exemplos. Porque a tentativa de conhecer a riqueza e a originalidade das culturas humanas, só para tomá-las como réplicas atrasadas da civilização ocidental, choca-se com uma outra dificuldade que é muito mais profunda. De uma maneira geral (e excetuando a América, a qual voltaremos) todas as sociedades humanas têm atrás delas um passado aproximadamente da mesma ordem de grandeza.

Para considerar determinadas sociedades como “etapas” do desenvolvimento de outras, seria preciso admitir que enquanto com umas se passava qualquer coisa, com outras não acontecia nada, ou muito pouco.

E, na verdade, falamos dos “povos sem história” (para dizer, por vezes, que são “os mais felizes”). Esta forma elíptica significa apenas que sua história é e continuará a ser desconhecida, não a sua inexistência. Durante dezenas e mesmo centenas de milênios, também nesses povos existiram homens que amaram, odiaram, sofreram, inventaram, combateram.

Na verdade, não existem povos crianças, todos são adultos, mesmo aqueles que não deixaram um diário de infância e da adolescência. Poderíamos, na verdade, dizer que as sociedades humanas utilizaram desigualmente um tempo passado que, para algumas, teria sido mesmo um tempo perdido; que umas andavam rapidamente, enquanto outras divagavam ao longo do caminho. Seríamos assim conduzidos a distinguir duas espécies de histórias: uma progressiva, aquisitiva, que acumula os achados e as invenções para construir grandes civilizações; e uma outra história, talvez igualmente ativa e empregando outros dons, mas a que faltasse o talento da síntese.

Cada inovação em vez de acrescentar às anteriores, e orientadas no mesmo sentido, dissolver-se-ia numa espécie de onda que nunca consegue se afastar por muito tempo da direção original. Esta concepção parece muito mais flexível e matizada que as visões simplistas descritas anteriormente. Podemos guardar um lugar para ela na nossa tentativa de interpretação da diversidade das culturas sem sermos injustos com as demais. Mas, antes, é necessário que examinemos várias questões.

5- A ideia de progresso - Nesse sentido, a ideia de progresso é questionada, mediante as evidências de que não há uma direção única na manifestação do gênio humano, seja no campo da técnica, das artes, da organização social, etc. Para tanto, Lévi-Strauss se vale da metáfora do movimento do cavalo no jogo de xadrez, movimento que se processa com várias mudanças de direção, mas permitem alcançar diversos espaços no tabuleiro; analogamente, os progressos da humanidade não seguem uma trajetória em linha reta, mas atravessam caminhos tortuosos até se consolidarem em efetiva mudança de patamar.
Retomando a discussão sobre história cumulativa e estacionária, somos colocados diante do problema referente ao critério que nos permitiria enquadrar uma determinada sociedade num modelo ou noutro de história. Dessa forma, é formulada a ideia de que um determinado observador tende a considerar cumulativa toda a cultura que se desenvolve na mesma direção que a sua — um conceito relativo, portanto. Para ilustrar a situação, uma nova metáfora é apresentada: a de um observador que se desloca em um trem, cruzando com outros trens a medida em que se movimenta; ao contrário do observado sob o aspecto físico, ao observador parece que os trens (culturas) que se movem na mesma direção do seu se deslocam mais rapidamente, ao passo que aqueles que andam por direções e sentidos diferentes dão a impressão de se moverem com lentidão.
Por outro lado, Lévi-Strauss propõe que todas as civilizações reconhecem a superioridade do Ocidente, uma vez que seria observável uma tendência de difusão de vários traços culturais ocidentais entre os mais diferentes povos, a se destacar a técnica, a ciência, os modos de vida, etc. Nesse sentido, constata que a adoção de tais valores por outras culturas nem sempre se dá de modo consensual, tendo contado a civilização ocidental, não raro, com seu aparato militar, econômico e ideológico para impor sua “dominação”.
Sobre esse movimento de caráter “global”, cujo estopim foi a Revolução Industrial, o autor traça um paralelo com a outra única revolução dotada dessa mesma característica, a Revolução Neolítica, que marcou a descoberta da agricultura, mudando definitivamente as feições dos grupos sociais humanos por toda a Terra. Essas revoluções são caracterizadas como grandes “saltos quânticos” na história da humanidade.
Lévi-Strauss ressalta que os progressos tecnológicos adquiridos ao longo do tempo pelas sociedades humanas — alterando sua relação com a natureza e dentro dos próprios grupos sociais — de forma alguma podem ser consideradas como obras do acaso, embora houvesse uma clara inclinação para tal interpretação, principalmente em relação às descobertas mais antigas. Ora, se não houvesse uma pré-disposição, um desejo subjacente, jamais ocorreria uma descoberta acidental. Mesmo essas circunstâncias acidentais devem ser raras, contribuindo pouco para os novos progressos; antes, os avanços são fruto de intenso trabalho dos inventores.
Outra constatação importante do autor é de que os progressos realizados pelas sociedades humanas são tanto maiores quanto maior é a diversidade, a quantidade e a intensidade do contato entre culturas. Menciona como exemplo a Europa na época do Renascimento, que num território limitado abarcava uma miríade de povos, com as mais diferentes tradições culturais. Isso porque diferentes conhecimentos podem estabelecer “diálogos”, engendrando novos conhecimentos. Nesse ponto é apresentada a metáfora do jogador, que procura aumentar suas possibilidades de ganho num jogo de roleta: se optar por jogar sozinho, dificilmente conseguirá formar uma série consecutiva longa, por outro lado, se estabelecer coligações com jogadores de outras mesas, que fazem apostas diferentes, a possibilidade de estabelecer uma sequência longa se ampliam. Vem daí a grande importância de a humanidade preservar sua diversidade cultural.
Contudo, Lévi-Strauss observa em curso um processo de gestação de uma “civilização mundial”, um processo de homogeneização cultural, fato que seria preocupante na medida em que significaria a redução drástica da diversidade de culturas, diminuindo a possibilidade de estabelecer “diálogos culturais” e consequente geração de novos conhecimentos. Retomando a metáfora do jogador, é como se todos os jogadores passassem a fazer as mesmas apostas, diminuindo as chances de se obter uma sequência longa. Com o objetivo de preservar a diversidade cultural, o autor destaca o papel a ser desempenhado pelas instituições internacionais.
As culturas não possuem estágios homogêneos de desenvolvimento, não havendo uma única direção no desenvolvimento social.
O contato com outras culturas pode ocasionar essa alteridade “desenvolvimento”. E a percepção das diferenças pode gerar uma visão etnocêntrica do mundo.
Não existem culturas em estágios de evolução superior ou inferior.
Nenhuma cultura é estacionaria, estão sempre se modificando
Longe de permanecer encerradas em si mesmas, todas as civilizações reconhecem, uma após outra, a superioridade de uma delas, que é a civilização ocidental. Não vemos nós o mundo inteiro extrair dela progressivamente as suas técnicas, o seu gênero de vida, as suas distrações e até o seu vestuário? Tal como Diógenes provava o movimento andando, é o próprio progresso das culturas humanas que, desde as imensas populações da Ásia até as tribos perdidas na selva brasileira ou africana, prova, por uma adesão unânime sem precedentes na história, que uma das formas da civilização humana é superior a todas as outras: o que os países "insuficientemente desenvolvidos" reprovam aos outros nas assembleias internacionais não é o fato destes os ocidentalizarem, mas o fato de não lhes darem bastante rapidamente os meios de o fazerem. (pag.13)

Não podemos considerar o darwinismo social, não existem culturas que estão estágios de evolução inferior ou superior. De acordo com Strauss os humanos podem ser classificados por suas etnias, e não por estágios de evolução social, pois todas as culturas possuem um mesmo material básico (linguagem, técnicas, arte e entre outros).



Começaremos por observar que esta adesão ao gênero da vida ocidental, ou a alguns dos seus aspectos, está longe de ser tão espontânea quanto os ocidentais gostariam que ela fosse. Resulta menos de uma decisão livre do que de uma ausência de escolha. A civilização ocidental estabeleceu os seus soldados, as suas feitorias, as suas plantações e os seus missionários em todo o mundo: interveio, direta ou indiretamente, na vida das populações de cor, revolucionou de alto a baixo o modo tradicional de existência destas, quer impondo o seu, quer instaurando condições que engendrariam o desmoronar dos quadros existentes sem os substituir por outra coisa. (pag.14)
 
Para Strauss, não faz nenhum sentido discutir o sentido da raça humana, pois  as diferenças baseadas em caraterísticas corporais é muito pequeno quando comparado com as semelhanças genéticas dos indivíduos. Com isso ele centraliza sua tese no conceito de cultura.


7.Lugar de civilização acidental

Tocamos aqui no ponto mais sensível do nosso debate; de nada valeria querer defender a originalidade das culturas humanas contra si mesmas. Além do mais, é extremamente difícil para o etnólogo fazer uma justa apreciação de um fenômeno como a universalização da civilização ocidental e isso por várias razões. Primeiro, a existência de uma civilização mundial é um fato provavelmente único na história e cujos precedentes deveriam ser procurados numa pré-história longínqua, sobre a qual não sabemos quase nada. Em seguida, reina uma grande incerteza sobre a consistência do fenômeno em questão.

Para Strauss  a chamada universalização ocidental é difícil de ser avaliada, pois e praticamente único na historia da humanidade e dado a incerteza de seus resultados. A adesão ao gênero de vida ocidental se da em desigualdade de forças, o que leva a Lévi Strauss considerar que as sociedades não se entregam com tanta facilidade e que esta adesão se deve mais a uma ausência de escolha.


8. Acaso e civilização
Lemos nos tratados de etnologia - e não só nos piores - que o homem deve o conhecimento do fogo ao acaso de uma faísca ou de um incêndio; que o achado de uma peça de caça acidentalmente assada nestas condições lhe revelou o cozimento dos alimentos; que a invenção da olaria resulta do esquecimento de uma bolinha de argila na vizinhança de uma lareira. Diríamos que o homem teria vivido primeiro numa espécie de idade de ouro tecnológica, onde as invenções se colhiam com a mesma facilidade que os frutos e as flores. Ao homem moderno estariam reservadas as fadigas do labor e as iluminações do gênio. (pag.15)

Strauss “descarta” o que chamamos de acaso nas grandes invenções da humanidade no passado e diz que a revolução industrial e cientifica do ocidente se inscreve no período igual a cerca de meio milésimo da vida passado da humanidade. Nos orientando a sermos modestos antes de pensarmos que ela está destinada a mudar o significado para uma raça, religião ou país. Reitera ainda que as diferenças entre culturas não deve ser cumulativas; o conceito que além de depender do relativismo de nossos interesses e negado ainda pelo fato de que a humanidade não evolui num sentido único.

9. A colaboração das culturas

Ora, esta situação assemelha-se muito à das culturas que conseguiram realizar as formas da história mais cumulativas. Estas formas extremas nunca foram resultado de culturas isoladas, mas sim de culturas que combinam, voluntária ou involuntariamente, os seus jogos respectivos e realizam por meios variados (migrações, empréstimos, trocas comerciais, guerras) estas coligações cujo modelo acabamos de imaginar. E é aqui que atingimos o absurdo que é declarar uma cultura superior a outra. Porque, na medida em que se encontrasse isolada, uma cultura nunca poderia ser "superior"; como o jogador isolado, ela nunca conseguiria senão pequenas séries de alguns elementos, e a probabilidade de que uma série longa "saia" na sua história (sem ser teoricamente excluída) seria tão fraca que seria preciso dispor-se de um tempo infinitamente mais longo do que aquele em que se inscreve o desenvolvimento total da humanidade para ser possível vê-la realizar-se. (pag. 19)

O principal absurdo de considerar uma cultura inferior ou superior, segundo Strauss, surge do fato de que a que uma cultura está só ela elabora muito pouco de história acumulativa. Não se pode então fazer uma listagem de invenções particulares, pois a verdadeira contribuição das culturas está no afastamento diferencial que elas apresentam entre si.

Um comentário:

  1. Por favor tira a preenchimento cinza. Fica cansativo para os olhos. Fora isso o conteúdo está muito bom.

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