Fichamento
MAX GLUCKMAN
RITUAIS DE REBELIÃO NO SUDESTE DA ÁFRICA.
Os zulus não tinham um panteão desenvolvido. (…) A única
divindade desenvolvida era Nomkubulwana, a princesa do Céu, homenageada pelas
mulheres e pelas moças de distritos locais de Zululândia e Natal, quando as
plantações começavam a crescer. (pg7)
Os Zulus dizem que ela se move com a neblina e é de um lado
ser humano, de outo um rio e de outro é coberta de relva, (pg8)
Entre os Zulus, o mais importante desses ritos requeria
comportamento obsceno da parte de mulheres e moças. Essas se vestiam como
homens e tratavam e tirava leite do gado, coisa que geralmente era tabu pra
elas. (pg8)
Esse papel temporariamente dominante da mulher (um papel
dominante publicamente instituído, realmente aprovado e não apenas exercido
tacitamente num plano secundário) contrastava fortemente com os mores desses
povos patriarcais. (pg9)
Pois, como espíritos, as mulheres eram caprichosamente más:
ancestrais masculinos normalmente não continuavam a afligir seus descendentes
depois de feito um sacrifício, mas os espíritos femininos continuavam a causar
prejuízos e maldades. (pg11)
… Mas na prática, além de serem úteis como principais
cultivadoras das roças, eram essenciais para a sociedade. (pg11)
Um homem cuja mulher lhe dá dois filhos, produz dois rivais
na disputa de apenas uma posição e propriedade e sua mulher é a responsável por
esse perigoso desdobramento da personalidade dele. (Pg12)
O gado entra nessa série de conflitos primeiramente como o
mais importante item de propriedade disputado pelo homem, além da posição. (…)
Outra importante fonte de conflito era as mulheres. Porém, num certo sentido,
mulheres e gado se identificavam. (pg12)
Quando uma moça se casava, era substituída em casa por gado e
seu irmão usava esse gado para obter ele mesmo uma noiva. (pg13)
Essas cerimônias ocorriam quando as mulheres tinham iniciado
as incertas e árduas tarefas agrícolas anuais e pressagiavam uma boa colheita
concedida por uma deusa, à única deusa dentre uma série de “deuses” e
ancestrais viris. (pg13)
A deusa, possuidora do privilégio de conceder ou impedir uma
colheita generosa, liga dessa forma a vida social ao mundo natural que a cerca.
(…) Sua figura é apenas parcialmente humana, pois em parte constitui-se também
de bosques, relvas, rios e roças. É mulher fértil, porém donzela e solteira.
(pg13)
… Mas passo agora a analisar uma grande cerimônia nacional
ligada às colheitas e à realeza. (pg 14)
O reino Zulu foi desmantelado após a guerra Anglo-Zulu de
1879, mas felizmente os seus vizinhos Suazi ainda realizam cerimoniais
nacionais muito parecidas com aquelas realizadas anteriormente pelos zulus
(pg14)
Ninguém come de algumas colheitas antes que a cerimônia seja
realizada. Na maios parte das tribos sul-africanas, a quebra desse tabu
representava perigo ritual para o líder
e não para o trangressor, pois aquele é que tivera “roubado” seu direito de
precedência. (pg14)
...Um touro negro é roubado do rebanho de algum súdito não
pertencente ao clã real. “Ele fica enraivecido e orgulhoso”, essas emoções
conflitantes, ao que dizem, impregnam os ingredientes do ritual. (…) à medida
que atravessam o país, os graves sacerdotes praticam saque permitido sobre a
população. (pg15)
Enquanto isso, o rei está no cercado sagrado. Os sacerdotes
do Mar trazem remédios para tratar dele: as mulheres desviam seus olhos, pois
“quem olha para os remédios do rei pode enlouquecer”. (pg16)
Os forasteiros e os membros do clã real são expulsos e a
cerimônia do cuspir é repetida. O ritual acaba aí. (pg17)
...Enquanto são entoadas as canções de rejeição, e ódio, o
rei atravessa a multidão, dirigindo-se ao cercado sagrado. Ele está nu a não
ser por uma peça de marfim brilhante que cobre o seu prepúcio. Suas mães o
lamentam e choram. (pg18)
...
Neste ritual o rei parece um monstro selvagem, com plumas negras na
cabeça, relva de bordas afiadas, tudo com significado no ritual. Durante essa
execução o rei dança, sai e retorna para o santuário, quando os príncipes se
agrupam atrás dele batendo nos escudos comemorando, pois o rei se mantem vivo e
saudável. Finalmente jovens com escudos especiais vem para frente cantando
canções de triunfo. (pg19)
O rei retorna duas ou três vezes ao
santuário, ressurgindo com uma abobora verde lançando num dos escudos. Nos
tempos de guerra o homem cujo escudo foi atingido, seria sacrificado em
batalha, sugerindo ser um “bode expiatório” nacional. (pg. 20)
Estamos diante de um mecanismo social que desafia sociólogos,
psicólogos, e biólogos a fazerem uma análise em detalhe dos processos pelos
quais essa representação do conflito leva ao benefício da unidade social. As
cerimônias tem um simbolismo importante, é possível sentir a atuação das
poderosas tensões que formam a vida nacional, nas relações entre estado e rei,
contra o povo e o povo contra o rei e o estado. (pg21)
Eu acentuaria principalmente que o ritual de rebelião ocorre
dentro de uma ordem social estabelecida, não posta em questão. No passado dos
Bantos do Sudeste podem ter criticado certas autoridades e indivíduos e se
rebelado contra eles, mas não discutiam as instituições. (pg22)
A aceitação da ordem estabelecida como certa, benéfica ou
mesmo sagrada parece permitir excessos desenfreados, verdadeiros rituais de
rebelião, pois a própria ordem age para manter a rebelião dentro de seus limites.
(pg22)
É o rei em particular, odiado e rejeitado por alguns, que
deve inspirar pena e conseguir o apoio de quem é leal. O povo pode detestar o
reinado ao ressentir sua autoridade, mas não quer subvertê-lo. Pois “divino é o
reinado, não o rei”. (pg24)
...Mas, na prática, os líderes desses segmentos territoriais
inclinavam-se mais a lutar pelo reinado ou pelo poder em torno dele e não pela
independência. Assim guerras civis periódicas fortaleciam o sistema,
canalizando as tendências à segmentação e demonstrando que a meta máxima dos
líderes era o posto sagrado do rei. (pg26)
...É depois da colheita que as guerras são organizadas e
lutas internas estouram. (...) Depois dos primeiros frutos e da colheita, são
retomadas as atividades sociais mais amplas: casamentos, danças, festa da
cerveja, passam a ocorrer diariamente e atraem vizinhanças inteiras. (pg27)
A cerimônia das mulheres e as cerimônias do rei na época do
plantio e na dos primeiros frutos são claramente rituais agrícolas. (gp28)
Talvez possamos ir agora mais longe e acrescentar que os
conflitos entre indivíduos e ordem política como um todo são demonstrados no
ritual de rebelião. (pg30)
...A tendência à rebelião requer expressão ritual para que a
estrutura social seja mantida? Por que a reversão de papeis é tão importante
para o mecanismo desse processo? De que maneira o próprio ritual mantém dentro
de certos limites os sentimentos de rebeldia que ele mesmo desperta? (pg32)
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