Universidade Federal do Sul da Bahia

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domingo, 8 de maio de 2016

Fichamento

MAX GLUCKMAN


RITUAIS DE REBELIÃO NO SUDESTE DA ÁFRICA.

Os zulus não tinham um panteão desenvolvido. (…) A única divindade desenvolvida era Nomkubulwana, a princesa do Céu, homenageada pelas mulheres e pelas moças de distritos locais de Zululândia e Natal, quando as plantações começavam a crescer. (pg7)

Os Zulus dizem que ela se move com a neblina e é de um lado ser humano, de outo um rio e de outro é coberta de relva, (pg8)

Entre os Zulus, o mais importante desses ritos requeria comportamento obsceno da parte de mulheres e moças. Essas se vestiam como homens e tratavam e tirava leite do gado, coisa que geralmente era tabu pra elas. (pg8)

Esse papel temporariamente dominante da mulher (um papel dominante publicamente instituído, realmente aprovado e não apenas exercido tacitamente num plano secundário) contrastava fortemente com os mores desses povos patriarcais. (pg9)

Pois, como espíritos, as mulheres eram caprichosamente más: ancestrais masculinos normalmente não continuavam a afligir seus descendentes depois de feito um sacrifício, mas os espíritos femininos continuavam a causar prejuízos e maldades. (pg11)

… Mas na prática, além de serem úteis como principais cultivadoras das roças, eram essenciais para a sociedade. (pg11)

Um homem cuja mulher lhe dá dois filhos, produz dois rivais na disputa de apenas uma posição e propriedade e sua mulher é a responsável por esse perigoso desdobramento da personalidade dele. (Pg12)

O gado entra nessa série de conflitos primeiramente como o mais importante item de propriedade disputado pelo homem, além da posição. (…) Outra importante fonte de conflito era as mulheres. Porém, num certo sentido, mulheres e gado se identificavam. (pg12)

Quando uma moça se casava, era substituída em casa por gado e seu irmão usava esse gado para obter ele mesmo uma noiva. (pg13)

Essas cerimônias ocorriam quando as mulheres tinham iniciado as incertas e árduas tarefas agrícolas anuais e pressagiavam uma boa colheita concedida por uma deusa, à única deusa dentre uma série de “deuses” e ancestrais viris.  (pg13)


A deusa, possuidora do privilégio de conceder ou impedir uma colheita generosa, liga dessa forma a vida social ao mundo natural que a cerca. (…) Sua figura é apenas parcialmente humana, pois em parte constitui-se também de bosques, relvas, rios e roças. É mulher fértil, porém donzela e solteira. (pg13)


… Mas passo agora a analisar uma grande cerimônia nacional ligada às colheitas e à realeza. (pg 14)

O reino Zulu foi desmantelado após a guerra Anglo-Zulu de 1879, mas felizmente os seus vizinhos Suazi ainda realizam cerimoniais nacionais muito parecidas com aquelas realizadas anteriormente pelos zulus (pg14)


Ninguém come de algumas colheitas antes que a cerimônia seja realizada. Na maios parte das tribos sul-africanas, a quebra desse tabu representava perigo ritual  para o líder e não para o trangressor, pois aquele é que tivera “roubado” seu direito de precedência. (pg14)

...Um touro negro é roubado do rebanho de algum súdito não pertencente ao clã real. “Ele fica enraivecido e orgulhoso”, essas emoções conflitantes, ao que dizem, impregnam os ingredientes do ritual. (…) à medida que atravessam o país, os graves sacerdotes praticam saque permitido sobre a população. (pg15)

Enquanto isso, o rei está no cercado sagrado. Os sacerdotes do Mar trazem remédios para tratar dele: as mulheres desviam seus olhos, pois “quem olha para os remédios do rei pode enlouquecer”. (pg16)

Os forasteiros e os membros do clã real são expulsos e a cerimônia do cuspir é repetida. O ritual acaba aí. (pg17)

...Enquanto são entoadas as canções de rejeição, e ódio, o rei atravessa a multidão, dirigindo-se ao cercado sagrado. Ele está nu a não ser por uma peça de marfim brilhante que cobre o seu prepúcio. Suas mães o lamentam e choram. (pg18)

... Neste ritual o rei parece um monstro selvagem, com plumas negras na cabeça, relva de bordas afiadas, tudo com significado no ritual. Durante essa execução o rei dança, sai e retorna para o santuário, quando os príncipes se agrupam atrás dele batendo nos escudos comemorando, pois o rei se mantem vivo e saudável. Finalmente jovens com escudos especiais vem para frente cantando canções de triunfo. (pg19)
O rei retorna duas ou três vezes ao santuário, ressurgindo com uma abobora verde lançando num dos escudos. Nos tempos de guerra o homem cujo escudo foi atingido, seria sacrificado em batalha, sugerindo ser um “bode expiatório” nacional. (pg. 20)


Estamos diante de um mecanismo social que desafia sociólogos, psicólogos, e biólogos a fazerem uma análise em detalhe dos processos pelos quais essa representação do conflito leva ao benefício da unidade social. As cerimônias tem um simbolismo importante, é possível sentir a atuação das poderosas tensões que formam a vida nacional, nas relações entre estado e rei, contra o povo e o povo contra o rei e o estado. (pg21)

Eu acentuaria principalmente que o ritual de rebelião ocorre dentro de uma ordem social estabelecida, não posta em questão. No passado dos Bantos do Sudeste podem ter criticado certas autoridades e indivíduos e se rebelado contra eles, mas não discutiam as instituições. (pg22)

A aceitação da ordem estabelecida como certa, benéfica ou mesmo sagrada parece permitir excessos desenfreados, verdadeiros rituais de rebelião, pois a própria ordem age para manter a rebelião dentro de seus limites. (pg22)

É o rei em particular, odiado e rejeitado por alguns, que deve inspirar pena e conseguir o apoio de quem é leal. O povo pode detestar o reinado ao ressentir sua autoridade, mas não quer subvertê-lo. Pois “divino é o reinado, não o rei”. (pg24)

...Mas, na prática, os líderes desses segmentos territoriais inclinavam-se mais a lutar pelo reinado ou pelo poder em torno dele e não pela independência. Assim guerras civis periódicas fortaleciam o sistema, canalizando as tendências à segmentação e demonstrando que a meta máxima dos líderes era o posto sagrado do rei. (pg26)

...É depois da colheita que as guerras são organizadas e lutas internas estouram. (...) Depois dos primeiros frutos e da colheita, são retomadas as atividades sociais mais amplas: casamentos, danças, festa da cerveja, passam a ocorrer diariamente e atraem vizinhanças inteiras. (pg27)

A cerimônia das mulheres e as cerimônias do rei na época do plantio e na dos primeiros frutos são claramente rituais agrícolas. (gp28)

Talvez possamos ir agora mais longe e acrescentar que os conflitos entre indivíduos e ordem política como um todo são demonstrados no ritual de rebelião. (pg30)

...A tendência à rebelião requer expressão ritual para que a estrutura social seja mantida? Por que a reversão de papeis é tão importante para o mecanismo desse processo? De que maneira o próprio ritual mantém dentro de certos limites os sentimentos de rebeldia que ele mesmo desperta? (pg32)

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