Universidade Federal do Sul da Bahia

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domingo, 8 de maio de 2016

Fichamento

LEVI STRAUSS- Eficácia Simbólica



Claude Lévi-Strauss foi um antropólogo francês, nascido na Bélgica, um dos grandes pensadores do século XX, ele tornou-se conhecido na França, onde seus estudos foram fundamentais para o desenvolvimento da antropologia. Filho de um artista e membro de uma família judia francesa intelectual estudou na Universidade de Paris. De início, cursou leis e filosofia, mas descobriu na etnologia sua verdadeira paixão. No Brasil, lecionou sociologia na recém-fundada Universidade de São Paulo, de 1935 a 1939, e fez várias expedições ao Brasil central. É o registro dessas viagens, publicado no livro "Tristes Trópicos" (1955) que lhe trará a fama. Nessa obra ele conta como sua vocação de antropólogo nasceu durante as viagens ao interior do Brasil.

Membro da Academia de Ciências Francesa (1973) integra também muitas academias científicas, em especial europeias e norte-americanas. Também é doutor honoris causa das universidades de Bruxelas, Oxford, Chicago, Stirling, Upsala, Montréal, México, Québec, Zaïre, Visva Bharati, Yale, Harvard, Johns Hopkins e Columbia, entre outras.Aos 97 anos, em 2005, recebeu o 17o Prêmio Internacional Catalunha, na Espanha. Declarou na ocasião: "Fico emocionado, porque estou na idade em que não se recebem nem se dão prêmios, pois sou muito velho para fazer parte de um corpo de jurados. Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente". Morreu no dia 30 de outubro de 2009 em Paris.
No capítulo X do livro Antropologia Estrutural, intitulado a eficácia simbólica, de Levi-Strauss vem dizendo de um caso de intervenção de um xamã em um parto difícil de uma mulher Cuna, no Panamá. Vem trazendo questões fundamentais: primeiro, se as técnicas de cura xamânicas são de fato eficazes, e segundo, se o são, como atingem seus objetivos. Uma das técnicas de cura que ele aborda é o canto, que tem com objetivo ajudar um parto difícil, pois essa intervenção do Xamã é rara e utilizada apenas em casos excepcionais, principalmente porque as mulheres indígenas da America do Sul dão a luz mais facilmente que as do ocidente, e só pode ser feito a pedido da parteira. Na preparação são utilizadas fumigações de favas de cacau queimadas, que são invocações, representam os assistentes do Xãma, esses espíritos protetores são responsáveis pela eficácia, ao conduzir o Xamã à morada de Muu, que é a responsável pela formação do feto.
As complicações desse parto devem-se ao fato de que Muu, força responsável pela formação do feto, extrapolou suas atribuições e se apossou da alma da futura mãe. ‘’Muu não é, pois uma força essencialmente má é urna força transviada. O parto difícil se explica como um desvio pela “alma” do útero de todas as outras ‘‘almas” das diferentes partes do corpo. Uma vez estas libertadas, a outra pode e deve retomar a colaboração. Sublinhemos desde já a precisão com que a ideologia indígena delineia o conteúdo afetivo da perturbação fisiológica, tal como pode aparecer, de maneira não formulada, à consciência da doente.’’ P. 219
É preciso, portanto, que o xamã invoque os espíritos dos ventos, das águas, dos bosques, das bebidas alcoólicas, dos barcos dos homens brancos, através de um canto que busca a alma purba perdida. Muu habita na vagina e no útero da parturiente e o canto descreve a luta travada pelo xamã, com a ajuda dos espíritos invocados, para adentrar esse corpo de modo que o purba da mulher seja descoberto e libertado e o bebê possa nascer. Nesse canto, o xamã descreve seu percurso no interior do corpo, numa geografia dos órgãos internos, habitados por monstros e feras. Em nenhum o momento o xamã toca de fato o corpo da mulher, embora em seu canto relate cada parte por aonde vai passando, junto com seus ajudantes, para libertar o purba. O canto entoado pelo xamã tem como principal objetivo descrever as dores e nomeá-las para a parturiente, apresentando-se numa forma que possa ser apreendida pelo pensamento, consciente ou inconsciente.

 ‘’O xamá fornece á sua doente urna linguagem, na qual se podem exprimir imediatamente estados não-formulados, de outro modo informuláveis. E é a passagem a esta expressão verbal (que permite, ao mesmo tempo, viver sob urna forma ordenado e inteligível urna experiência real, mas, sem isto, anárquica e inefável) que provoca o desbloqueio do processo fisiológico, isto é, a reorganização, num sentido favorável, da sequência cujo desenvolvimento a diante sofreu. ’’ P.228
Outra parte do livro vem trazendo urna comparação mais particularizada entre xamanismo e psicanálise. ‘’Em ambos os casos, propõe conduzir á consciência conflitos e resistências até então conservados inconscientes, quer em razão de seu recalcamento por outras forjas psicológicas, quer no caso do parto por causa de sua natureza própria, que não é psíquica, mas orgânica, ou até simplesmente mecânica. Em ambos os casos também, os conflitos e as resistências se dissolvem, não por causa do conhecimento, real ou suposto, que a cliente adquire deles progressivamente, mas porque este conhecimento torna possível urna experiência específico, no curso da qual os conflitos se realizam numa ordem e num plano que permitem seu livre desenvolvimento e conduzem ao seu desenlace. ’’ P.229. Levi- Strauss sugere que o canto do xamã cuna está situado no limite entre a medicina física e as terapias psicológicas como a psicanálise.
 ‘’O paralelismo não exclui, pois, diferenças. Não se ficará admirado, se prestar atenção ao caráter psíquico, num caso, e orgânico no outro, da perturbado que se trata de curar. De fato, a cura xamanística parece ser um equivalente exato da cura psicanalítica, mas com urna inversão de todos os termos. [...] Para preparar a abreação, que se torna então urna “adequação”, o psicanalista escuta, ao passo que o xamá fala [...]’’ P. 230
Em seguida Levi- Strauss cita Sechehaye quando fala ‘’Sechehaye percebeu que o discurso, tão simbólico quanto possa ser, chocava-se ainda na barreira do consciente, e que ela só por atos podia atingir os complexos mais profundamente enterrados. Assim, para resolver um complexo de ablactação, a psicanalista deve assumir uma posição maternal realizada, não por urna reprodução literal da conduta correspondente, mas se é lícito dizer, por meio de atos descontínuos, cada um simbolizando um elemento fundamental desta situado: por exemplo, o contato da face da doente com o seio da psicanalista.’’ P.231
Depois o autor trás Freud quando ele fala que ‘’A analogia entre os dois métodos seria mais completa ainda, se pudesse admitir, como Freud parece ter sugerido por duas vezes, que a descrição em termos psicológicos da estrutura das psicoses e das neuroses deve desaparecer um dia diante de urna concepção fisiológico, ou mesmo bioquímica. [...] a cura xamanística e a cura psicanalítica tornar-se-iam rigorosamente semelhantes ; tratar-se-ia em ambos os casos de induzir urna transformado orgânica, que se constituiria essencialmente numa reorganizado estrutural, que conduzisse o doente a viver intensamente um mito, ora recebido, ora produzido, e cuja estrutura seria, no nível do psiquismo inconsciente, análoga àquela da qual se quereria determinar a formado no nível do corpo.’’ P. 232/233
Em uma parte do livro ele vem dizendo ‘’A eficácia simbólica consistiria precisamente nesta “propriedade indutora” que possuiriam urnas em relado ás outras estruturas formalmente homologam que se podem edificar, com materiais diferentes, nos diferentes níveis do vivente: processos orgânicos, psiquismo inconsciente, pensamento refletido.’’ P. 233
‘’Vimos que a única diferença entre os dois métodos que sobreviveria à descoberta de um substrato fisiológico das neuroses diria respeito á origem do mito, encontrado, num caso, como um tesouro individual, e recebido, noutro, da tradição coletiva. [...] O que é necessário indagar é se o valor terapêutico da cura se deve ao caráter real das situações rememoradas, ou se o poder traumatizante destas situações não provém do fato de que, do mo mento em que se apresenta, o sujeito as experimenta imediatamente sob forma de mito vivido. Com isto, entendemos que o poder traumatizante de urna situado qualquer não pode resultar de seus caracteres intrínsecos, mas da aptidão de certos acontecimentos, que surgem num contexto psicológico, histórico e social apropriado, para induzir urna cristalizada afetiva, que se faz no molde de urna estrutura preexistente. Em relação ao acontecimento ou à particularidade histórica, essas estruturas ou, mais exatamente, essas leis de estrutura as verdadeiramente intemporais. ’’ P. 233/234
Depois da diferença entre a psicanálise e xanamismo, Levi- Strauss vem trazendo a subconsciência e inconsciência, pois ele fala que o inconsciente deixa de ser o inefável refugio das particularidades individuais, o depositário de uma historia única, que faz de cada um nós um ser insubstituível. Ele se reduz a um termo pelo qual nós designamos um fundo: a fundo simbólica, especificamente humana, sem dúvida, mas que, em todos os homens, se exerce segundo as mesmas leis que se reduz, de fato, ao conjunto destas leis. Já o subconsciente é um reservatório de recordações e de imagens colecionadas ao longo de cada vida, se torna um simples aspecto da memória; ao mesmo tempo em que afirma sua perenidade, implica em suas limitações, visto que o termo subconsciente se relaciona ao fato de que as recordares, se bem que conservadas, não estão sempre disponíveis. Ao contrário, o inconsciente está sempre vazio; ou, mais exatamente, ele é tão estranho as imagens quanto o estômago aos alimentos que o atravessam. Órgão de uma função específica, ele se limita a impor leis estruturais, que esgotam sua realidade, a elementos inarticulados que provém de outra parte; pulsões, emoções, representações, recordações. Poder-se-ia dizer que o subconsciente é o léxico individual onde cada um de nós acumula o vocabulário de sua historia pessoal, mas que esse vocabulário só adquire significado, para nós próprios e para os outros, à medida que o inconsciente o organiza segundo suas leis, e faz dele, assim, um discurso.
Em seguida ele vem dizendo de vocabulário e estrutura. ‘’O vocabulário importa menos do que a estrutura. Quer seja o mito recriado pelo sujeito, quer seja tomado de empréstimo à tradição, ele só absorve de suas fontes, individual ou coletiva (entre as quais se produzem constantemente interpenetrações e trocas), o material de imagens que ele emprega; mas a estrutura permanece a mesma, e é por eia que a função simbólica se realiza. Acrescentemos que essas estruturas não são somente as mesmas para todos, e para todas as matérias as quais se aplica a fundo, mas que elas são pouco numerosas, e compreenderemos porque o mundo do simbolismo é infinitamente diverso por seu conteúdo, mas sempre limitado por suas leis. Existem muitas línguas, mas muito poucas leis fonológicas, que valem para todas as línguas. Uma compilação de contos e de mitos conhecidos ocuparia urna massa impotente de volumes. Mas se pode reduzir a um pequeno número de tipos simples, se forem postas em evidencia por detrás da diversidade dos personagens algumas funções elementares; e os complexos, esse mitos individuais, se reduzem também a alguns tipos simples, moldes aonde vem agarrar-se a fluida multiplicidade dos casos. ’’P.235
Portando, para Lévi-Strauss, o desbloqueio do processo fisiológico se dá pela possibilidade dada à parturiente de exprimir estados não formulados, a partir de uma linguagem fornecida pelo xamã. Para o antropólogo, não há razão para se duvidar da eficácia de certas práticas mágicas. Tal eficácia simbólica se apresenta sobre três aspectos complementares: a crença no feiticeiro e na eficácia de suas técnicas; a crença do doente que ele pretende curar no poder do feiticeiro; e por último a crença e a confiança da opinião coletiva.


Referências
CLAUDE LEVI- STRAUUS. Uol Educação. Biografia. Disponível em <http://educacao.uol.com.br/biografias/claude-levi-strauss.htm>. Acesso em 26 de abril de 2016.
GONÇALVES, Luana. Magia e Religião. Slide Share. 1 de maio de 2015. Disponível em < http://pt.slideshare.net/luanagoncalves399/magia-e-religio-levi-strauss>. Acesso em 26 de abril de 2016.
MOCELIN, Daniel. Lévi-Strauss: Eficácia simbólica, interação social e xamanismo.Fatos sociológicos. 15 de outubro de 2010. Disponível em <http://fatosociologico.blogspot.com.br/2010/10/levi-strauss-eficacia-simbolica.html>. Acesso em 26 de abril de 2016.
STRAUSS, Claude Levi. Eficácia Simbólica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.

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